A VISINHA DO LADO
Anda cá ó Vergininha
Não despreze o seu vizinho,
Tenho pensado á dias
Que é triste viver sozinho.
Diga lá o vizinho o que tem
Com essa lábia descarada,
Presumo que quer alguém
Que lhe faça a marmelada.
Mas se é isso que quer
Daqui não vai levar nada,
Pois não se pode esquecer
Que eu sou uma Sra. Casada.
Mas que sermão tão estridente
De uma boca tão rosada,
O que dirá esta gente
Ao ouvir tal trovoada.
Foi a experiência que me fez
Despoletar este sermão,
Por saber o que quer um freguês
Que está na sua condição.
Estou a gostar destes momentos
Mesmo aqui no patamar
Faz-me lembrar os bons tempos
Que passei a namorar.
Se falasse-mos na minha casa
Na beira da minha cama,
Veria como se arrasta a asa
E também como se ama.
Não esperava tal resposta
Da boca de uma petiza
Julgava-te moça inocente
Mas já tens a escola precisa.
Estou a pensar e estou-me a rir
Deste encontro imprevisto,
Se eu o deixasse cá vir
Você ficava mal visto.
Se quer pode experimentar
E eu dou-lhe a palavra minha,
Que vou muito bem tratar
Dessa sua linda maninha.
Que arrepio me deu na espinha
E ao mesmo tempo um tremor,
E aqui a minha maninha
Já está cheia de calor.
Mas eu posso refresca-la
Com um banho de agua viva,
E também posso massaja-la
Com um creme de saliva.
Sobre o que está a querer
Não sei bem o que lhe diga,
Mas estou curiosa de saber
O gosto da sua saliva.
O gosto da minha saliva
É um doce de capilé
Que vai da testa á barriga
E da barriga até ao pé.
Não imagina o vizinho
Quanto eu tenho sofrido,
Quando de manhãzinha
Eu digo ao meu marido,
Para me dar um beijinho
Onde eu agora não digo.
Ai que eu vou desmaiar
Por ouvir tal impropério,
E eu que estava a pensar
Que tinha um vizinho a sério.
Eu não sou um marialva
Sou uma pessoa de bem,
E a vizinha não perca a calma
E ouça-me, veja bem.
Como sabe eu sou sozinho
E a vida passa a correr,
Se não aproveito o tempinho
De que me serve viver?
Há outras formas mais belas
De aproveitar o seu tempo,
Mais acções e menos balelas
Mais calor e menos vento.
Se não me convida a entrar
Está por mim convidada,
Para conversa de patamar
Já está muito prolongada.
1955- Eduardo Gonçalves
